Tiago Eurico de Lacerda [1]
As premissas de Weber sobre o desencanto
que a secularização proporcionou ao encontrar um mundo que ainda acreditava na
concretização de um projeto divino ainda ecoam entre nós. Touraine nos adverte
que para falar de modernidade é preciso que “a atividade intelectual seja
protegida de propagandas políticas ou de crenças religiosas, que a
impersonalidade das leis proteja contra nepotismo, o clientelismo e a
corrupção” (1994, p. 18), ou seja, que a própria administração, seja ela
pública ou privada, não seja instrumento de um poder pessoal. Precisamos
compreender que a ideia de modernidade está relacionada à racionalização.
Habermas em suas obras ressalta aquilo que
chamamos de moderno como um projeto de um esforço intelectual (todavia dos
pensadores iluministas) para desenvolver uma ciência objetiva que
proporcionasse uma emancipação do homem. Para que ele se libertasse da
escassez, da necessidade, e das
arbitrariedades das calamidades naturais, ao mesmo tempo em que também
se libertaria de toda a irracionalidade do mito, das superstições, da religião.
É um momento profícuo para revelar as qualidades talvez tidas como obscuras do
homem, mas também universais, eternas da própria humanidade. No mesmo compasso
tal busca por uma emancipação do homem pode se tornar numa linguagem própria da
Dialética do Esclarecimento, um sistema de opressão universal em nome da
libertação humana, uma ilusão como nos adverte Adorno e Horkheimer ao refletir
que a lógica que percebemos sob a racionalidade iluminista não passa de uma
lógica de dominação e opressão.
Corroborando com nossa argumentação, Viesenteiner afirma que o século XIX “é marcado pela
falência generalizada das principais narrativas que sustentam a cultura
ocidental” (2010, p. 89). Pois aquilo que presenciamos como uma tentativa de
unidade da razão como domínio tanto sobre a vida e o mundo está em crise, ou
seja, a razão não é capaz de responder às questões basilares da vida humana. A
questão aqui é nada mais que o panorama de uma crise ética, pois é notório o
esvaziamento de significados das perspectivas e valorações morais que se
cultuaram por séculos. E para um problema ético impregnado na cultura,
precisamos de um “médico da cultura”, ou seja, de um diagnóstico das condições
culturais do século XIX. Nietzsche, também conhecido junto com Marx e Freud
como filósofos da suspeita, elabora a leitura, o diagnóstico dessa crise da
ética.
Grosso modo, tal diagnóstico pode ser considerado
a partir do conceito de niilismo, que segundo Viesenteiner é “a mais indesejada
visita que a cultura ocidental recebe”, e ainda acrescenta que sob o ponto de
vista do esvaziamento da vida e dos valores, é “o mais sinistro de todos os
hóspedes” (2010, p. 91). A vida sem sentido se abre às inúmeras possibilidades
de criação, ao mesmo tempo que também passam a ser criações de ilusões. Tudo se
torna artificial, mercadológico. Se compra a felicidade com as ilusões do
mercado e a compulsão de domínio do homem não para por aí. Ele quer dominar
cada vez mais para se sentir pertencente, seja a vontade de poder aos moldes
nietzschianos ou a própria vontade da técnica numa linguagem Jonasiana.
Se o homem agir conforme sua vontade sem
sequer olhar as consequências das suas ações não teremos um mundo para
convivermos ou coexistirmos no futuro. A perspectiva ética tratada até aqui é
quanto à responsabilidade não somente no âmbito interpessoal (ética
deontológica kantiana), mas em relação à toda condição possível para se viver
bem sobre a terra hoje e no futuro. Segundo Marcondes, “Weber formula sua
célebre distinção entre ética da convicção (Gesinnungsethik) e uma ética da
responsabilidade (VerantwortungsetfiiK)”
e vai privilegiar esta última, pois Weber a considerava “mais crítica,
preocupada com a prática e adequada à tomada de decisões no mundo político” (2009,
p. 118). Enquanto isso, a ética da convicção tende a ser mais rígida e
dogmática.
É preciso pensar a dimensão política,
desde os gregos para entendermos como essa relação entre ética e política
funciona hoje. Se antes, na Grécia antiga, a política pretendia ser um
instrumento para o bem comum, agora, principalmente depois de Maquiavel, percebemos
que a essência da política se encontra na disputa e manutenção do poder. Mas
como encontrar na sociedade hodierna uma política que tenha nascido da ética e
ao mesmo tempo aponte caminhos inspirados no eudaimonismo aristotélico?
A resposta para essa questão não é tão
simples. Antes de mais nada para elaborarmos hoje uma discussão ética e
política contextualizada e séria é preciso levar em consideração dois aspectos
discutidos na obra, Ética: abordagens e perspectivas, organizada pelo
professor Cesar Candiotto, que são: diversidade e pluralidade. Quando pensamos
que existimos, primeira descoberta do método de Descartes, “eu sou um ser
pensante”, precisamos também entender que há um outro que não eu, mas também
existe. Daí já caminhamos para a concepção da diversidade, nós coexistimos com
nossas diferenças. E depois dessa compreensão preciso admitir que esse outro
além de existir e não ser eu, pensa de uma maneira distinta da minha,
pluralidade.
Ao tentar padronizar a imagem humana,
extinguir a diversidade de etnias e elaborar uma ditadura do pensamento é que
vimos muitos povos serem exterminados. Presenciamos uma eugenia em detrimento
de características “menos nobres” e muitos aplaudiram na época, ainda nos
perguntamos: como? Mas hoje, com a polarização política inserida na
cibercultura com todas as veiculações de Fake News fica fácil entender
épocas sombrias em que à razão humana era creditada o poder de domínio. O
cenário brasileiro das últimas eleições presidenciais para cá apresentou o
próprio diagnostico nietzschiano do niilismo em que as pessoas perdidas de seus
valores e dominadas pela ilusão aos moldes das ideias de Horkheimer, preferem o
nada a querer algo.
Tal cenário foi percebido por uma política
fundamentada numa ideologia que conseguiu fazer com que a classe trabalhadora
percebesse que mesmo estando numa desgraça social imensurável, preferiram
adotar os valores da classe dominante e votar em propostas que vão ao encontro
da precarização do trabalho, único meio que as pessoas (trabalhadoras) possuem
para subsistir e sentirem-se inseridas na sociedade. O candidato vencedor
chegou a dizer: “escolham, ou trabalho ou direitos, ambos não é possível”. E
mesmo assim ganhou as eleições. Será que podemos discutir uma ética que em
algum momento tenha buscado uma Eudaimonia grega nos tempos atuais? A
modernidade não trouxe apenas a desfragmentação do homem, mas o lançou no caos
existencial. Por isso por pouco ou por nada, alguns se lançam às cegas em
ideologias contraditórias com os valores do bem comum, mas ainda acreditam
estarem fazendo o melhor para si e para o seu país.
Como considerações finais podemos afirmar que mesmo pensando a partir da modernidade é de fundamental importância, como muitos modernos o fazem, um olhar para as origens da política e buscar uma compreensão, seja no âmbito do saber teórico ou prático, para entendermos a atual realidade de nosso país e do mundo. Assim, será possível a partir de uma prática prudencial ou como os próprios gregos utilizavam o termo, phronesis, fazer um melhor discernimento ético de como poderemos guiar com sabedoria o homem nesses novos caminhos de uma ética e política que estão em constante transformações conceituais dentro da história.
HARVEY,
David. Condição Pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança
cultural. 18. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2009.
TOURAINE,
Alain. Crítica da modernidade. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.
VIESENTEINER,
Jorge L. Nietzsche e o niilismo como diagnóstico da crise da ética. In.:
CANDIOTTO, Cesar. Ética: abordagens e perspectivas. Curitiba:
Champagnat, 2010.
MARCONDES, Danilo.
Textos básicos de Ética: de Platão a Foucault. 5. ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 2009.
Para
citar esse texto:
LACERDA, Tiago Eurico de. Ética e política no âmbito da Filosofia Moderna. Londrina, novembro de 2020. In.: Tiago Lacerda. Disponível em: http://www.tiagolacerda.com/2020/11/etica-e-politica-no-ambito-da-filosofia.html.